27 de mar. de 2014

Falta integração no combate à violência contra crianças


A falta de comunicação mais rápida e eficiente entre os órgãos que integram a rede de proteção da criança e do adolescente em Belo Horizonte pode levar a uma demora de mais de dois anos para a obtenção de uma sentença judicial contra o agressor. Ao longo de um ano, o índice de responsabilização dos agressores foi de 67%, embora em apenas 11% dos casos as denúncias não tenham se confirmado no decorrer dos processos judiciais.

É o que aponta tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Faculdade de Medicina da UFMG pela psicóloga Rosilene Miranda Barroso da Cruz. Ela analisou todos os processos judiciais de violência doméstica contra crianças e adolescentes encaminhados ao órgão entre 2002 e 2003. Ao todo, foram 77 processos, envolvendo 134 crianças e 78 supostos agressores.
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A denúncia e suas consequências futuras envolvem várias instituições – Conselho Tutelar, Ministério Público, Tribunal de Justiça e serviços da Prefeitura de Belo Horizonte. A pesquisadora ressalta que o repasse de informações entre elas é fundamental para o bom funcionamento de todo o conjunto. Mas nem sempre isso acontece, dificultando a apuração dos casos e a responsabilização dos agressores.

Morosidade

O papel do Conselho Tutelar como porta de entrada do Sistema de Garantia de Direitos foi observado em 61% dos processos analisados. Porém, sua atuação também levanta questões sobre a efetividade do processo. As denúncias chegam a permanecer por mais de um ano, sem que os grupos familiares observem as orientações e encaminhamentos.

Somado ao tempo que se gasta para obter uma sentença – em muitos casos superior a 30 meses – esse atraso pode permitir que a criança continue sofrendo a violência, mesmo depois que a situação já foi notificada. De acordo com a pesquisadora, seria importante avaliar melhor o tempo de permanência dos casos nessa instância. “Quando se percebe que não vai surtir efeito, pode-se transformar mais rapidamente a denúncia em processo judicial”, afirma.

Outro problema é que, em muitos casos, a vítima é a única testemunha do abuso. “Situações como obrigá-la a depor na frente do agressor, que pode ser um dos pais, muitas vezes acabam inibindo a criança de falar. Sem o depoimento dela, o juiz pode não ter base para responsabilizar o agressor”, explica Rosilene. Também é mais
frequente a retirada da criança do lar do que o agressor. Das 42 sentenças que envolviam afastamento do lar por uma das partes, apenas cinco eram contra o agressor.

Esse descompasso, muitas vezes desencoraja a denúncia. “Existe uma falta de confiança no sistema e na sua
capacidade de resolver os casos, que muitas vezes leva vítimas ou o responsável não agressor a não relatar a situação”, destaca Rosilene. “Além de lutarmos pela notificação adequada, temos que melhorar os instrumentos sociais necessários para responsabilizar o agressor, apoiar a família e fiscalizar o cumprimento das medidas determinadas”, afirma.

Proposta

Uma das propostas do estudo para garantir agilidade é a implantação do Centro Integrado de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, reunindo em um só espaço integrantes do Tribunal de Justiça, com vara especializada em julgar crimes contra a criança e o adolescente, do Ministério Público, Defensoria Pública, Polícia Civil e dos serviços da Prefeitura de Belo Horizonte ligados ao tema.“Reunir todos esses órgãos
é importante para facilitar a comunicação entre eles e procurar uma resolução mais rápida para essa situação”, afirma Rosilene.

Nesse centro, estão previstas salas especiais para os depoimentos das crianças. “Ela conversaria com o juiz separada do agressor, em um momento que já estivesse pronta para falar do assunto”, explica Rosilene. “Além disso, a conversa seria gravada e utilizada como prova, de modo que a criança não precisasse falar outras inúmeras vezes durante o processo sobre a violência sofrida”, conclui.

SERVIÇO

Título: Violência doméstica contra crianças e adolescentes: os (des)caminhos entre a denúncia e a proteção

Nível:
 Doutorado

Programa: Saúde da Criança e do Adolescente

Autora: Rosilene Miranda Barroso da Cruz

Orientadora: Cláudia Regina Lindgren Alves

Coorientadora: Lúcia Maria Horta de Figueiredo Goulart

Defesa: 02/04/2013

FONTE:  http://www.medicina.ufmg.br/observaped/index.php/noticias/21-diversos/217--falta-integracao-no-combate-a-violencia-contra-criancas.html

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