27 de fev. de 2015

Pedras na Infância

 
Bom, você com certeza leu o título e se pergunta agora: o que ele quer dizer com “pedras da infância”?
 
Chamo de “pedras da infância” tudo aquilo que foi colocado em nossa “mochila” quando ainda éramos pequenos e à medida que fomos crescendo, coisas que nos foram dadas ou mesmo impostas como condição para sobreviver e para ser aceito no seio da família e da sociedade. Essas pedras não são boas, mas foram necessárias, pois precisamos delas na infância para que possamos crescer, ficar fortes e adultos e caminhar com as próprias pernas.
 
Acredito que todo ser humano nasce com um espírito livre, mas um corpo frágil, pequeno, indefeso e dependente (em primeira linha dos pais). E nosso espírito sabe que é preciso proteger esse corpo para que ele um dia se torne robusto o suficiente para finalmente ser igualmente livre, como nosso espírito. E assim aceitamos as regras, tropeçamos nas pedras colocadas em nossos caminhos e carregamos nas costas aquelas depositadas em nossa “mochila”. Essas pedras são praticamente as estratégias que desenvolvemos para que possamos sobreviver, como, por exemplo, aquela pedra que uma criança recebe do pai colérico, que não gosta que a criança fale alto e dá bronca gratuita quando isso acontece. Assim, a criança aceita a pedra “fale baixo para não levar bronca do pai”, se tornando então alguém que fala baixo e que estremece só de ouvir alguém falando alto. Ou mesmo a pedra que uma criança recebe dos pais quando conta uma história fictícia, fruto da fantasia inerente à infância, mas é repreendida por estar “mentindo”. Assim a criança recebe a pedra “fantasia é mentira!”. Ou mesmo quando uma criança chega em casa com o boletim da escola com notas boas. Essa criança vê então a alegria dos pais, que saem mostrando o boletim a todo mundo, aos parentes, aos vizinhos, para que todos vejam o quanto seu filho ou sua filha é inteligente. Assim, sem que se perceba e mesmo que a intenção dos pais seja boa, a criança recebe a pedra “seja boa na escola para ver seus pais felizes!”.
 
Fico no exemplo da criança com boas notas na escola. Poderíamos pensar que esse elogio dos pais seria uma coisa boa e, em princípio, isso é verdade. Mas o que acontece então quando a criança não consegue manter suas notas boas e termina “fracassando” em uma ou outra matéria? Bom, depende então do tamanho assumido pela pedra do elogio dos pais: se ela for pequena, a criança pode até sentir um pouco de vergonha, mas sem maiores complicações. Mas se o elogio dos pais tiver se tornado para a criança uma pedra grande e pesada, a vergonha será enorme e a criança fará de tudo para esconder a nota ruim dos pais, mentindo, disfarçando e fugindo da realidade, sem perceber que com isso a pedra só fica ainda maior e mais pesada. E é esse crescimento que é problemático, pois, a depender do meio no qual vivemos quando crianças e do nível de maturidade de nossos pais e das pessoas à nossa volta, ele pode se tornar um crescimento selvagem, uma excrescência, fazendo com que uma pedra (ou mesmo várias) cresça tanto que um dia, mesmo já adultos, nos encontremos praticamente embaixo dela, tendo então muita dificuldade de se livrar novamente desse peso.
 
 Quero dizer que nosso sofrimento como pessoas adultas tem muitas vezes sua origem nessas pedras da infância, que recebemos e que tivemos que carregar conosco durante muitos anos, na verdade décadas, na verdade nossa vida inteira até aqui, sem que muitas vezes percebamos que nosso corpo já cresceu, não é mais tão frágil, que já nos tornamos adultos e, ao invés de finalmente juntar essa liberdade do corpo à liberdade do espírito do momento em que nascemos e sermos finalmente livres em plenitude, mantemos nosso corpo preso a essas pedras, prendendo assim igualmente o espírito, e aquele ser humano que nasceu “meio livre”, com espírito livre e corpo dependente, se torna um prisioneiro completo, encarcerado em sua infância, detido por suas próprias pedras. A solução para muitos de nossos problemas atuais seria então reconhecer que estamos carregando essas “pedras da infância”, que não são mais necessárias, pois já ficamos adultos, abrindo a mochila, esvaziando-a e continuando a caminhar, ou melhor ainda: voando, livre, leve e solto, começando finalmente a ser feliz.
 
Há pedras de todas as cores, formas e tamanhos. Umas são pequenas e fáceis de carregar, outras são grandes e são carregadas com muito sacrifício. Umas são tão pequenas que passamos sem problemas por cima delas, outras são tão enormes que bloqueiam nosso caminho. Umas são feias, outras são brilhantes e lindas e já outras são muito feias, mas parecem bonitas porque queremos vê-las assim. Mas todas elas têm algo em comum: elas pesam e, como tudo que pesa, elas atrapalham nossa andança neste mundo.
 
Há vários tipos de “pedras da infância” que costumamos carregar conosco, umas menos, outras extremamente pesadas, umas lisas, outras extremamente ásperas. Aqui apenas algumas delas:
 
- É aquela pedra que uma menina recebe da mãe, que mesmo mal casada e sofrendo, defende a tese de que casamento não pode ser desmanchado de forma alguma. A criança cresce então com essa pedra, casa-se mais tarde com o homem errado, mas não se separa por causa da pedra “casamento é eterno, mesmo que se sofra” recebida da mãe;
 
- É aquela pedra que um garoto sensível recebe do pai quando esse diz que “homem não chora”, fazendo com que o menino perca realmente essa capacidade ou passe a chorar escondido, mesmo mais tarde, como homem adulto;
 
- É aquela criança que cresce em um ambiente violento e recebe a pedra “violência é normal”;
 
- É aquela pedra que uma menina recebe da mãe frustrada quando essa diz que “todo homem não presta!”;
 
- É aquela “pedra da decepção” e a “pedra da perda de confiança” enorme que uma criança recebe quando confia em uma pessoa adulta de sua família, mas é abusada sexualmente;
 
- É aquela “pedra do medo” que uma criança recebe quando tem um pai ou mãe altamente cuidadosa, que nunca a deixa brincar do lado de fora;
 
- É aquela “pedra da rejeição” dada pela mãe ou pelo pai quando a criança se comporta de uma forma diferente da esperada e o pai ou a mãe diz então que “preferia não ter um filho (ou filha)”;
 
- É aquela “pedra da fofoca e da inveja” recebida pela criança que cresce em uma família fofoqueira e invejosa;
 
- É a “pedra do racismo” quando uma criança escuta constantemente em casa que pessoas com outra cor de pele não têm o mesmo valor;
 
- É a pedra “não vale a pena ser honesto” quando uma criança rouba e os pais passam a mão pela cabeça, deixando valer a desonestidade;
 
- É a pedra “não há justiça no mundo” quando pais tratam filhos de forma diferente, favorecendo uns, prejudicando outros.
 
Essas pedras são nossos medos, nossa solidão, nossa insegurança. nossos conceitos errados, nossa frustação, enfim, todas essas coisas que adquirimos na infância.
 
Exemplos não faltam. Mas prefiro contar uma história concreta, que ilustra bem como as pedras de nossa infância podem nos fazer sofrer como adultos:
 
Conheci uma mulher muito inteligente, com um coração do tamanho do mundo, uma pessoa muito agradável e que teria de tudo para ser feliz. Mas não era. Ela tinha problemas sérios de saúde e sofria de muito de problemas físicos, sem que nenhum médico descobrisse o que ela tinha, restando somente a possibilidade dela sofrer de um mal psicossomático. Bom, como ela tentava de tudo para parar de sofrer, ela aceitou esse diagnóstico e iniciou uma psicoterapia. Muitos meses depois, após passar por uma fase difícil de autoconhecimento e reflexão com ajuda do psicoterapeuta, ela descobriu o que a fazia sofrer:
 
Quando criança, ela sentia muita falta de receber carinho do pai, que era uma pessoa extremamente intelectual, distante emocionalmente e muito severa com os filhos. Ainda pequena, ela colocou na cabeça que queria escutar do pai que ele a amava e fazia de tudo para agradá-lo, sem sucesso, pois o pai se mantinha reservado nesse sentido. Pois bem, ela foi tentando, tentando, tentando… E a “pedra” foi crescendo… Um dia ela se tornou uma mulher adulta, mas o comportamento era o mesmo, pois ela continuava tentando agradar ao pai e pior ainda: também ao marido, ao chefe e a todas as figuras masculinas em sua vida (até mesmo ao filho!) – aqui vemos como a pedra cresceu! Mas nada adiantou: um belo dia, o pai faleceu sem dizer à filha que a amava e, como ela então sabia inconscientemente que jamais escutaria o que esperava, ela adoeceu, teve uma forte depressão e seus problemas físicos pioraram. Hoje, essa mulher tem 45 anos de idade e continuava sofrendo com isso, sem entender direito por que. Com ajuda da terapia, ela descobriu que estava tão agarrada a essa “pedra da infância” que não conseguia ser feliz. E essa infelicidade fez com que ela terminasse adoecendo, já que a pedra a prendia e evitava que ela fosse livre, tanto no nível espiritual como no nível físico. Somente após reconhecer isso é que ela teve a coragem e a força de simplesmente largar a pedra que recebera do pai (através de sua incapacidade de dizer que a amava!), percebendo que era uma “pedra da infância” não mais necessária na vida adulta, que a segurava em sua caminhada, evitando que ela pudesse ser realmente feliz. Foi um processo difícil e doloroso, mas que valeu a pena, pois hoje ela está bem, mais feliz, mesmo que a “pedra” do pai tenha deixado marcas, mesmo que a tristeza de nunca ter escutado do pai o que tanto queria escutar ainda exista. Largar uma pedra não significa esquecer o motivo de sua existência, mas sim aceitar que ela existe, fazendo parte, porém, do passado e não tem mais importância no presente e muito menos no futuro. Sua decisão de largar essa pedra (= aceitar que teve um pai que nunca disse que a amava!) permitiu que ela finalmente conseguisse deixar de carregar consigo um sofrimento do passado, voltando a sentir a liberdade de seu espírito e assim voltando também a se sentir saudável, livre fisicamente, e feliz.
 
Pode ser você prefira insistir em carregar as suas “pedras da infância”, talvez por costume ou medo. Não haveria nada de errado nisso, pois cada um tem o direito de carregar suas pedras pelo tempo que quiser ou precisar, mas talvez valesse a pena refletir que sentido faz carregar uma mochila pesada, cheia de coisas (pedras) que não lhe têm (mais) qualquer utilidade. Assim, lhe peço: dê uma parada você também. Verifique em você e em sua vida quais as “pedras” que você ainda carrega consigo e perceba quais delas lhe fazem mal e lhe impedem de caminhar e quais as que não atrapalham. Depois, abra a “mochila” e tire uma por uma, livrando-se do que lhe prende, evitando que você seja feliz. Vou até mais longe e proponho um exercício prático: pegue realmente uma mochila, procure pedras e coloque-as dentro da mochila, dando a cada uma delas um nome: esta pedra é a “pedra do medo” que eu sentia quando era criança, esta outra é a “pedra da solidão”, já que me senti muito só na infância, já esta outra é a “pedra da expectativa de minha mãe”, que fez com que eu vivesse minha vida de acordo com o que ela esperava e não conforme meus sonhos e desejos, e assim por diante. Depois, escolha um lugar especial, o lugar da despedida, vá até lá com a mochila e se livre das pedras, uma por uma, deixando-as lá e voltando para casa com a mochila vazia. Isso não vai resolver seus problemas completamente, já que é preciso tempo para consertar o que foi quebrado por uma vida inteira, mas será um bom começo para seu crescimento e para sua libertação pessoal.
 
Um texto de Gustl Rosenkranz

26 de fev. de 2015

Tráfico de pessoas: 98% das vítimas são mulheres e crianças

Créditos: Imagens Evangélicas/Flickr
 
Cerca de 70 mil brasileiros já foram forçados a deixar o país por consequência do tráfico de seres humanos. No mundo, o total de vítimas se aproxima de 2,5 milhões. E 98% delas são crianças e mulheres. O número alarmante levou o Fundo Brasil de Direitos Humanos a criar uma peça publicitária, veiculada nesta terça-feira (23), Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças.
Em oito anos, a fundação apoiou mais de 200 projetos relacionados aos direitos humanos. Desde 2011, conta com a parceria da Tarso Estratégia e Comunicação para as campanhas, que visam, além de captar recursos para entidades parceiras, estimular a reflexão e o debate sobre o assunto.
 
O que é o tráfico de pessoas?
Segundo o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, Decreto 5.017/2004, o tráfico de pessoas é caracterizado pelo “recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”. 
De acordo com a coordenadora executiva do Fundo Brasil, Ana Valéria Araújo, ao se utilizar de diferentes mídias como instrumentos de informação e conscientização, é possível criar uma base que viabilize o trabalho de canalizar investimentos para as organizações. Da mesma forma, deve-se estar próximo de outras organizações sociais, bem como de empresas e do público em geral, para alcançar o objetivo de sensibilizar o maior número possível de pessoas.
“A campanha é um desses instrumentos. A iniciativa contribui para a realização de um dos objetivos da fundação, que é dar voz e visibilidade às diferentes violações de direitos humanos enfrentadas cotidianamente em nosso país”, afirma Ana Valéria.
 
Perfil das vítimas
Recente relatório feito pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) aponta que o tráfico de pessoas gera 32 milhões de dólares por ano. O perfil das vítimas é formado por afrodescendentes, com idade entre 15 e 25 anos. No Brasil, de acordo com o Fundo Brasil, a Região Norte concentra 31% das rotas do tráfico de pessoas já mapeadas.
Em outubro de 2006, foi aprovada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O documento estabelece o compromisso no enfrentamento a essa atividade criminosa, “fazendo com que o enfrentamento ao tráfico de pessoas se torne uma política de Estado, consolidando princípios, diretrizes e ações de prevenção, repressão e responsabilização de seus autores, bem como o atendimento às vítimas”.
Denúncias sobre os casos de exploração sexual de crianças e adolescentes e tráfico de pessoas podem ser feitas gratuitamente pelo Disque 100.
 
(Ana Luísa Vieira, do Promenino, com Cidade Escola Aprendiz)
 
 

24 de fev. de 2015

Acidente doméstico é uma das principais causas de morte entre as crianças

Estar em casa não é sinônimo de estar seguro. Quando se trata do cuidado com uma criança, uma pequena distração pode ser fatal. De acordo com dados do Ministério da Saúde, o acidente doméstico é uma das principais causas de morte entre as crianças de até nove anos. Nessa faixa etária, os maiores riscos à vida são afogamentos, quedas, queimaduras e intoxicações.
De acordo com o pediatra da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, Marco Aurélio Gil de Oliveira, esses acidentes acontecem com as crianças porque a experimentação faz parte do processo de desenvolvimento. "O problema é que as crianças ainda não têm reflexo, equilíbrio e noção de perigo e acabam colocando a própria vida em risco", alerta.
Em caso de acidentes, o socorro imediato é fundamental para a preservação da vida. "Primeiramente, é preciso manter a calma. Na sequência, deve-se avaliar a gravidade do caso. Os pais têm que analisar se a criança está acordada, se não está acordada, mas respira, se a lesão sofrida é grande e se a criança está bem, mas pode piorar", ensina.
A partir disso, é preciso ter um cuidado específico para cada caso. Abaixo, o especialista orienta o que fazer e o que não fazer, nas principais situações de emergência:
 
Trauma de cabeça
O que fazer: Se a criança ficar desacordada, ligue imediatamente para um serviço móvel de urgência. Se não houver perda da consciência, verifique se a criança vai vomitar mais de uma vez, se uma pupila está mais dilatada do que a outra, se está com dor de cabeça aguda, se começa a agir de maneira diferente, se está confusa ou se não está enxergando bem. Caso algum desses sintomas esteja presente, leve-a ao pronto-socorro infantil (PSI) para realização de exames detalhados.
O que não fazer: Se houver afundamento do crânio ou suspeita de trauma no pescoço, não mexa na criança, aguarde a chegada da ambulância. A manipulação da vítima por pessoas despreparadas pode agravar o caso.
 
Queimadura
O que fazer: Lave o local com água fria. Verifique o local afetado, o grau da queimadura e a extensão. Mesmo que a quei madura seja de primeiro grau, a criança deve ser levada ao PSI se a lesão for extensa ou se atingir face, genitais, couro cabeludo ou dobras do corpo, como cotovelos e joelhos.
O que não fazer: Nunca coloque gelo na queimadura ou estoure a bolha. O gelo pode agravar a lesão e, ao estourar a bolha, corre-se o risco de infecção.
 
Engasgo
O que fazer: Se a criança estiver engasgada, mas respirando, é melhor leva-la ao pronto-socorro infantil para que seja prestado o devido atendimento médico. Caso contrário, ligue para um serviço móvel de urgência. Apenas pais treinados devem fazer manobras de primeiros socorros.
O que não fazer: Se o objeto engolido pela criança não estiver visível ou fácil de retirar, não tente faze-lo. Se o procedimento não for realizado adequadamente, o objeto será empurrado mais para dentro da garganta da criança, aumentando a dificuldade de ser retirado. Beber água também está proibido pelo mesmo motivo.
 
Afogamento
O que fazer: Se a criança estiver respirando, leve-a ao PSI. Caso contrário, peça ajuda de um socorrista capacitado a realizar os primeiros socorros.
O que não fazer: Não provoque vômito ou tente tirar água do pulmão da criança. Manobras de ressuscitação desempenhadas inadequadamente podem agravar o quadro.
 
Intoxicação
O que fazer: Leve a criança imediatamente ao PSI, junto com informações sobre o produto ingerido (rótulo, bula).
O que não fazer: Não provoque o vômito. Em alguns casos, o vômito pode ser prejudicial. Apenas um médico poderá avaliar a melhor conduta para desintoxicação.
 
Corte
O que fazer: Antes de iniciar o curativo, o socorrista deve lavar as próprias mãos com água e sabão. Apenas com as mãos limpas, ele deve pegar os curativos e iniciar o cuidado. Se verificar que o corte está sangrando muito ou que as bordas estão muito afastadas, é preciso levar a criança ao pronto-socorro infantil para fazer uma sutura no local. É importante que as vacinas estejam em dia para evitar contaminação por tétano!
O que não fazer: Nunca aplique álcool ou pomadas no local do ferimento, não assopre o corte para não contaminar a região com os germes presentes na boca e não utilize algodão para estancar o sangue, pois as fibras grudarão na ferida, dificultando a remoção.
 
Fratura e torção
O que fazer: Os pais podem dar um analgésico para a criança e imobilizar o membro na posição mais confortável para ela, mas é preciso leva-la ao PSI para que sejam realizados os devidos exames.
O que não fazer: Não faça testes com o membro acidentado para saber se dói mais ou menos em determinada posição. A movimentação pode agravar a lesão.
 
Choque elétrico
O que fazer: Desligue a chave de força e desconecte a criança da fonte de energia com material isolante, como um cabo de madeira. Se estiver respirando, leve-a imediatamente ao PSI. Caso contrário, acione um serviço móvel de urgência. Uma descarga elétrica pode desencadear arritmia cardíaca e danos nos rins.
O que não fazer: Nunca tente salvar a criança sem os devidos cuidados. Ao tocar uma pessoa que está sofrendo uma descarga elétrica, a energia pode ser transmitida e fazer com que o socorrista também seja eletrocutado.
 
FONTE:

23 de fev. de 2015

Formação do EMFRENTE – Ano letivo 2015


Informamos que o EMFRENTE reiniciará sua formação em 10/03/2015 (terça-feira). Caso os Agentes de Referência da formação do ano letivo de 2014 tenham interesse em se manter como representantes da instituição em que atuam, solicitamos que informem seu superior hierárquico (Diretores, nos casos de CEIs e CEMs e chefias para as demais esferas). Estes receberam, na última semana, informativo contendo ficha de inscrição para preenchimento pelos Agentes de Referência, folheto com informações básicas sobre o EMFRENTE e cronograma de datas da formação (abaixo).

Ressaltamos que as instituições deverão encaminhar ao PENSEEducação o quadro de Agentes de Referência devidamente preenchido até 26/02.  A partir desta criaremos uma nova lista de contatos com os Agentes de Referência (2015) a partir das informações recebidas, sendo que a comunicação entre a Coordenação do EMFRENTE e estes se dará por e-mail. Informes gerais sobre o grupo também serão encaminhados aos Diretores, via Memorando Eletrônico.

A formação do EMFRENTE, em 2015, contará com uma carga horária presencial (36 horas) e uma carga horária de atividades práticas complementares (16 horas), podendo ao final dos encontros o participante com 100% de participação receber certificação de 56 horas.

Carinho é tudo de bom para o cérebro dos pequenos


A neurocientista Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou recentemente que dados científicos comprovam ser o carinho dos pais na primeira infância o grande responsável por reações cerebrais que, muitas vezes, só se manifestam na vida adulta: “Receber ou não carinho modifica para sempre como o cérebro vai reagir diante do estresse e da frustração”, afirmou Suzana.

O cérebro não nasce pronto. O infantil é menor e mais leve do que o cérebro de um adulto. O período em que ele mais cresce e ganha peso vai até o terceiro ano de vida, quando acontece a maturação das conexões entre os neurônios, que aumenta o peso da massa encefálica.

Justamente nessa fase é que a criança tem uma capacidade enorme de aprender. Ela senta, engatinha, anda em um ano de vida. Começa a falar em seguida, a interagir, a nomear pessoas e objetos, a fazer conexões, a desenvolver habilidades… e tudo em um curto espaço de tempo.

A genética também influencia na formação do cérebro, mas a vivência da criança e os exemplos que ela tem em casa, na creche ou escola são fundamentais. A linguagem, por exemplo, está vinculada ao vocabulário da mãe, das conversas que ela tem com o pequeno.

Por causa desses vínculos tão especiais, fica mais fácil concluir que os estímulos dos pais durante a primeira infância são fundamentais ao desenvolvimento das habilidades do bebê.

O comportamento da criança também começa a ser moldado nessa etapa. Se de repente a mãe faz um grande drama sobre uma questão menor, um probleminha cotidiano, o cérebro da criança pode reagir de forma estressada diante de qualquer situação adversa. Imagine, então, as consequências no cérebro – e na vida – de uma criança que sofra violências físicas ou verbais nos primeiros anos de vida.

Mas, contra tudo isso está o carinho. O toque e o contato tornam a criança mais hábil e com sistema imunológico mais forte, graças a ocitocina, um hormônio altamente influente na formação cerebral, produzido durante a amamentação e liberado também no abraço, no beijo, na massagem.

A ocitocina faz com que o cérebro produza a capacidade de vínculo e o acalma nas situações estressantes.

O que os pais precisam saber é que carinho sempre será um aliado ao bom desenvolvimento infantil e humano, em qualquer fase da vida. Por isso, o importante é praticá-lo todos os dias!

FONTE:  http://desenvolvimento-infantil.blog.br/carinho-e-tudo-de-bom-para-o-cerebro-dos-pequenos/

20 de fev. de 2015

Bater no seu filho pode deixar sequelas emocionais

 
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência é uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação. A definição ampla sugere que, mesmo que um ato violento não provoque ferimentos, deixa cicatrizes emocionais. A violência praticada contra crianças pode ocasionar diferentes traumas psíquicos, como mostra uma revisão de estudos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Entre os sintomas estariam comportamento depressivo, baixa autoestima, ansiedade e condutas antissociais, como comportamento desafiador, agressividade e delinquência. “A presença de um ou mais desses sintomas pode afetar o desempenho escolar e também a socialização da criança”, alerta a terapeuta ocupacional Kaíla Bontempo, autora do artigo, que avaliou 15 pesquisas realizadas com crianças de 0 a 8 anos em todo o país.
 
De acordo com a pesquisadora, a criança vítima de violência tende a ser quieta e amedrontada, e também pode se tornar agressiva, o que dificulta a interação com outras crianças da mesma idade. Não é possível prever como exatamente a palmada vai se refletir no futuro da vítima. A frequência, a intensidade e a maneira como os pais e o próprio filho encaram aquilo influencia bastante. “As sequelas emocionais dependem da resiliência da criança, isso é, a capacidade de superar obstáculos e de se adaptar”, resume Kaíla, que também é especialista em saúde mental. Mas o fato é que qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, em maior ou menor grau, pode deixar marcas negativas no desenvolvimento emocional. “A criança é extremamente influenciável pelo meio em que está inserida e pelas atitudes das pessoas responsáveis por sua criação”, afirma Kaíla. A escola e demais familiares fazem diferença no sentido de ajudá-la a vencer situações adversas e a preservar sua estabilidade emocional.
 
Para a pedagoga Ellen de Carvalho Alves, de São Paulo, outro problema além dos observados na pesquisa é que os castigos violentos transmitem mensagens contraditórias às crianças. Especialmente nos menores, que ainda estão desenvolvendo a linguagem e não sabem se expressar muito bem por meio de palavras. “Elas vão entender que o tapa é uma forma de comunicação usual e que, diante de uma frustração, podem bater em vez de dialogar”, explica. Vale a reflexão.
 

19 de fev. de 2015

Abandono infantil provoca danos cerebrais

DIVULGAÇÃO/ROMANIAN CHILDREN’S RELIEF Sem cuidados. Crianças romenas em um orfanato:
atendimento precário e pouco estímulo em instituições estatais
 
 
Estudo de Harvard mostra que crianças negligenciadas têm redução da capacidade linguística e mental

Além de traumas psicológicos, o abandono pode provocar danos cerebrais graves em crianças. Um estudo do Hospital de Crianças de Boston, da Universidade de Harvard, acompanha, desde o ano 2000, crianças negligenciadas em abrigos da Romênia, e muitas delas apresentam, segundo as análises, problemas de desenvolvimento da chamada substância branca do cérebro — região que ajuda na comunicação entre os neurônios, as células do sistema nervoso —, o que leva à redução da capacidade linguística e mental.
 
Os pesquisadores americanos começaram acompanhando crianças entre 6 meses e 2,5 anos. No início do estudo, a Romênia vivia os ecos das ações implementadas pelo regime de Nicolae Ceausescu — de 1965 a 1989, ano de sua execução — para aumentar a natalidade, como a proibição do aborto e do uso de contraceptivos. O resultado foi a explosão de nascimentos de bebês, que foram encaminhados para orfanatos estatais, onde receberam pouco estímulo linguístico e sensorial. Segundo estimativas de ONGs, mais de 170 mil órfãos viveram em 700 instituições superlotadas e precárias no país, situação que começou a mudar apenas em meados dos anos 2000.
 
O cuidado infantil não é uma questão apenas de “trocar fraldas” ou “alimentar” as crianças, ressaltam os autores da pesquisa. O desenvolvimento cerebral de bebês e crianças pequenas depende de estímulos de seus pais ou cuidadores, entre eles a interação social. Se elas são abandonadas e pouco estimuladas, este desenvolvimento é prejudicado.
 
Para testar o impacto da falta de cuidados, os autores começaram na Romênia um projeto com 136 crianças que tinham vivido pelo menos metade de suas vidas em orfanatos de Bucareste. Destas, metade continuou nas instituições e outra metade foi encaminhada a famílias adotivas ou centros de cuidados de alto nível criados especialmente para o projeto de Harvard. Outras 72 crianças analisadas sempre viveram com suas famílias biológicas. Elas vem sendo avaliadas periodicamente e serão reexaminadas aos 16 anos.
 
INTERVENÇÃO PRECOCE PODE REVERTER QUADRO
 
O grupo americano publicou uma série de estudos mostrando que as crianças destas instituições públicas tiveram prejuízos no QI, transtornos sociais e emocionais, além de alterações no desenvolvimento cerebral. No último estudo, publicado ontem na revista “Jama Pediatrics”, os autores analisaram dados de 69 crianças e notaram danos na substância branca. De acordo com a pesquisa, “havia forte associação entre a negligência no início da vida e a integridade do corpo caloso e dos intervalos do circuito límbico, no processamento sensorial e em outras áreas”. O corpo caloso permite que as duas metades do cérebro se comuniquem, o que é essencial para a linguagem, e os demais têm relação com dificuldades de atenção e de tomada de decisões. Estes problemas não teriam relação com deficiências nutritivas.
 
— O estudo mostra, por outro lado, que uma intervenção precoce em crianças vulneráveis garante o desenvolvimento neurológico normal, e isto pode ser aplicado a outras crianças expostas a adversidades, como as que sofrem maus-tratos na família — explica Johanna Bick, autora principal do estudo, cujo próximo passo será analisar as melhorias cognitivas e emocionais no cérebro dessas crianças.
 
(FLÁVIA MILHORANCE - O Globo - 28/01/2015 - 11:40 Publicado em 27/01/2015 - 11:48)
 


3 de fev. de 2015

Crianças e adolescentes em situação de violência: traços inquietantes da contemporaneidade


 
O presente estudo, realizado por Daniela de Araújo Ando e Nilson Massakazu Ando, tem como objeto a compreensão do universo da violência doméstica contra crianças e adolescentes, fenômeno extremamente grave e inquietante da contemporaneidade.

Ressalta a importância da compreensão dos impactos da violência sobre a família, quais fatores de risco e modalidades fazem parte desse fenômeno e quais os marcos e ações intersetoriais de proteção a criança e ao adolescente. A família aparece tanto como co-autora da violência quanto instituição protetora para a saúde de seus membros. Destacamos que as ações necessitam estar articuladas em redes intersetorial e social, prevenindo a violência familiar e promovendo a saúde.

Para tanto, utilizou-se como referência estudos e publicações referentes ao tema, os quais discutem que crianças e adolescentes, mesmo com direitos aparentemente reconhecidos, continuam sendo maltratados, abusados e violentados no âmbito familiar, considerado o espaço mais difícil para a participação ativa desses personagens.

Encontra-se disponível no site da Associação Brasileira de Psicopedagogia:  http://www.abpp.com.br/sites/default/files/95-criancas-adolescentes-violencia.pdf
 

2 de fev. de 2015

A Menina Quebrada

A seguir, compartilhamos uma crônica que, a partir do tema sobre o qual o EMFRENTE se debruça, inevitavelmente nos faz refletir a respeito da resiliência – e como prosseguir, apesar dos impactos sofridos, acidentalmente ou não.
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Era uma festa. Comemorávamos a vinda de um bebê que ainda morava na barriga da mãe. Eu havia acabado de segurá-la para que ela passasse a pequena mão na água da fonte do jardim. Ela tentava colocar o dedo gorducho no buraco para que a água se espalhasse, como tinha visto uma criança mais velha fazer. Parecia encantada com a possibilidade de controlar a água. Tem 1 ano e oito meses, cabelos cacheados que lhe dão uma aparência de anjo barroco e uns olhos arregalados. Com olheiras, Catarina é um bebê com olheiras, embora durma bem e muito. De repente, ela enrijeceu o corpo e deu um grito: “A menina.... A menina.... Quebrou”.  

Era um grito de horror. O primeiro que eu ouvia dela. Animação, manha, dor física, tudo isso eu já tinha ouvido de sua boca bonita. Aquele era um grito diferente. Não parecia um tom que se pudesse esperar de alguém que ainda precisava se esforçar para falar frases completas. Catarina estava aterrorizada. “A menina... A menina...” Ela continuava repetindo. Olhei para os lados e demorei um pouco a enxergar o que ela tinha visto em meio à tanta gente. Uma garota, de uns 10, 12 anos, talvez, com uma perna engessada. “Quebrou...” Catarina repetia. “A menina... quebrou.” 

Ela não olhava para mim, como costuma fazer quando espera que eu esclareça alguma novidade do mundo. Era mais uma denúncia. Pelo resto da festa, ela gritou a mesma frase, no mesmo tom aterrorizado, sempre que a menina quebrada passava por perto. Nos aproximamos da garota, para que Catarina pudesse ver que ela parecia bem, e que os amigos se divertiam escrevendo e desenhando coisas no gesso, mas nada parecia diminuir o seu horror. Os adultos próximos tentaram explicar a ela que era algo passageiro. Mas ela não acreditava. Naquele sábado de janeiro Catarina descobriu que as pessoas quebravam.  

Eu a peguei, olhei bem para ela, olho no olho, e tentei usar minha suposta credibilidade de madrinha: “A menina caiu, a perna quebrou, agora a perna está colando, e depois ela vai voltar a ser como antes”. Catarina me olhou com os olhos escancarados, e eu tive a certeza de que ela não acreditava. Ficamos nos encarando, em silêncio, e ela deve ter visto um pouco de vergonha no assoalho dos meus olhos. Era a primeira vez que eu mentia pra ela. E dali em diante, ela talvez intuísse, as mentiras não cessariam. Naquela noite, depois da festa, fui dormir envergonhada.  

O que eu poderia dizer a você, Catarina? A verdade? A verdade você já sabia, você tinha acabado de descobrir. As pessoas quebram. Até as meninas quebram. E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida. E dão nomes mais palatáveis para a inveja e para o ódio que os queima. Mas à noite, Catarina, à noite, eles sabem. 

E, Catarina, você tem toda a razão de duvidar. Depois de quebrar, nunca mais voltamos a ser como antes. Haverá sempre uma marca que será tão você quanto o tanto de você que ainda não quebrou. Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes. E isso é mais difícil do que aprender a andar e a falar. Isso é mais difícil do que qualquer uma das grandes aventuras contadas em livros e filmes. Isso é mais difícil do que qualquer outra coisa que você fará.  

Existe gente, Catarina, que não consegue dar sentido, ou acha que os farelos de sentido que consegue escavar das pedras são insuficientes para justificar uma vida humana, e quebra. Quebra por inteiro. Estes você precisa respeitar, porque sofrem de delicadeza. E existe gente, Catarina, que só é capaz de dar um sentido bem pequenino, um sentido de papel, que pode ser derrubado mesmo com uma brisa. E essa brisa, Catarina, não pode ser soprada pela sua boca. Ser forte, Catarina, não é quebrar os outros, mas saber-se quebrado. É ser capaz de cuidar de seus barcos de papel – e também dos barcos dos outros – não como uma criança que os imagina poderosos, de aço. Mas sabendo que são de papel e que podem afundar de repente. 

Não, acho que eu não poderia ter dito isso a você, Catarina. Não naquela noite, não agora. Ao lhe assegurar, cheia de autoridade de adulto, que tudo estava bem com a menina quebrada, com qualquer e com todas as meninas quebradas, o que eu dei a você foi um vislumbre da minha abissal fragilidade. Esta, Catarina, é uma verdade entre as tantas mentiras que lhe contei, ao tentar fazer com que acreditasse que eu seria capaz de proteger você. Vai chegar um momento, se é que já não houve, em que você vai olhar para todos nós, seus pais, seus “dindos”, seus avós e tios, e vai perceber que nós todos vivemos em cacos. E eu espero que você possa nos amar mais por isso.  

Essa conversa, Catarina, está apenas adiada. Talvez, daqui a alguns anos, você precise me perguntar como se faz para viver quebrada. Ou por que vale a pena viver, mesmo se sabendo quebrada. E eu vou lhe contar uma história. Ela aconteceu alguns dias depois daquela festa em que você descobriu que até as meninas quebram. Nós estávamos na fila do caixa do supermercado perto de casa, com uma cesta cheia de compras, e havia um homem atrás de nós. Era um homem vestido com roupas velhas e sujas, parte delas quase farrapos. E ele cheirava mal. Poderia ser alguém que dorme na rua, ou alguém que se perdeu na rua por uns tempos. Ficamos com medo de que o segurança do supermercado tentasse tirá-lo dali, ou que a caixa o tratasse com rispidez, ou que as outras pessoas na fila começassem a demonstrar seu desconforto, como sabemos que acontece e que jamais poderia acontecer. Enquanto pensávamos nisso, ele nos abordou. E pediu, com toda a educação, mas com os olhos dolorosamente baixos: “Por favor, será que eu poderia passar na frente, porque tenho pouca coisa?”.  

Quando lhe demos passagem, vimos que o homem não tinha pouca coisa. Ele só tinha uma. Sabe o que era, Catarina?  

Um sabonete. Era o que havia entre as mãos de unhas compridas e sujas, junto com algumas moedas e notas amassadas, como em geral são as notas que valem pouco. Aquele homem, que parecia ter perdido quase tudo, aquele homem talvez ainda mais quebrado que a maioria, porque tinha perdido também a possibilidade de esconder suas fraturas, o que ele fez? Quando conseguiu juntar uns trocados, o que ele escolheu comprar? Um sabonete. 

Catarina, talvez um dia, daqui a alguns anos, você volte a me olhar nos olhos e a dizer: “A menina... quebrou”. Ou: “Eu... quebrei”. E talvez você me pergunte como continuar ou por que continuar, mesmo quebrada. E eu vou poder lhe dizer, Catarina, pelo menos uma verdade: “Por causa do sabonete”. 

Um texto de Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista.
Disponível em:  http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2013/01/menina-quebrada.html
Fonte imagem:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjbAPw7bO6iKbf9byXeho4yC0kc14G5pZ5XhHeYjrs0j3GVHjJ_GUEWmW0aDTK_INdkNgRi3mjcXKhDWo66Ec8jhQLT8YAIRP7FiCl9noa97NA3zr9-U72D-9acFPz2h3cqwotLxp2qLtmh/s1600-h/shapeimage_7.png