19 de fev. de 2015

Abandono infantil provoca danos cerebrais

DIVULGAÇÃO/ROMANIAN CHILDREN’S RELIEF Sem cuidados. Crianças romenas em um orfanato:
atendimento precário e pouco estímulo em instituições estatais
 
 
Estudo de Harvard mostra que crianças negligenciadas têm redução da capacidade linguística e mental

Além de traumas psicológicos, o abandono pode provocar danos cerebrais graves em crianças. Um estudo do Hospital de Crianças de Boston, da Universidade de Harvard, acompanha, desde o ano 2000, crianças negligenciadas em abrigos da Romênia, e muitas delas apresentam, segundo as análises, problemas de desenvolvimento da chamada substância branca do cérebro — região que ajuda na comunicação entre os neurônios, as células do sistema nervoso —, o que leva à redução da capacidade linguística e mental.
 
Os pesquisadores americanos começaram acompanhando crianças entre 6 meses e 2,5 anos. No início do estudo, a Romênia vivia os ecos das ações implementadas pelo regime de Nicolae Ceausescu — de 1965 a 1989, ano de sua execução — para aumentar a natalidade, como a proibição do aborto e do uso de contraceptivos. O resultado foi a explosão de nascimentos de bebês, que foram encaminhados para orfanatos estatais, onde receberam pouco estímulo linguístico e sensorial. Segundo estimativas de ONGs, mais de 170 mil órfãos viveram em 700 instituições superlotadas e precárias no país, situação que começou a mudar apenas em meados dos anos 2000.
 
O cuidado infantil não é uma questão apenas de “trocar fraldas” ou “alimentar” as crianças, ressaltam os autores da pesquisa. O desenvolvimento cerebral de bebês e crianças pequenas depende de estímulos de seus pais ou cuidadores, entre eles a interação social. Se elas são abandonadas e pouco estimuladas, este desenvolvimento é prejudicado.
 
Para testar o impacto da falta de cuidados, os autores começaram na Romênia um projeto com 136 crianças que tinham vivido pelo menos metade de suas vidas em orfanatos de Bucareste. Destas, metade continuou nas instituições e outra metade foi encaminhada a famílias adotivas ou centros de cuidados de alto nível criados especialmente para o projeto de Harvard. Outras 72 crianças analisadas sempre viveram com suas famílias biológicas. Elas vem sendo avaliadas periodicamente e serão reexaminadas aos 16 anos.
 
INTERVENÇÃO PRECOCE PODE REVERTER QUADRO
 
O grupo americano publicou uma série de estudos mostrando que as crianças destas instituições públicas tiveram prejuízos no QI, transtornos sociais e emocionais, além de alterações no desenvolvimento cerebral. No último estudo, publicado ontem na revista “Jama Pediatrics”, os autores analisaram dados de 69 crianças e notaram danos na substância branca. De acordo com a pesquisa, “havia forte associação entre a negligência no início da vida e a integridade do corpo caloso e dos intervalos do circuito límbico, no processamento sensorial e em outras áreas”. O corpo caloso permite que as duas metades do cérebro se comuniquem, o que é essencial para a linguagem, e os demais têm relação com dificuldades de atenção e de tomada de decisões. Estes problemas não teriam relação com deficiências nutritivas.
 
— O estudo mostra, por outro lado, que uma intervenção precoce em crianças vulneráveis garante o desenvolvimento neurológico normal, e isto pode ser aplicado a outras crianças expostas a adversidades, como as que sofrem maus-tratos na família — explica Johanna Bick, autora principal do estudo, cujo próximo passo será analisar as melhorias cognitivas e emocionais no cérebro dessas crianças.
 
(FLÁVIA MILHORANCE - O Globo - 28/01/2015 - 11:40 Publicado em 27/01/2015 - 11:48)
 


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