Toda criança tem direito à vida, liberdade, saúde,
assistência, educação e proteção. No Brasil, a Constituição Federal e o
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbem o trabalho infantil. Para
conhecer as questões que envolvem este tema, confira a entrevista com Maristela
Cizeski, representante da Pastoral da Criança no Conselho Nacional de Direitos
da Criança e do Adolescente (Conanda) e coordenadora da Comissão de Políticas
Públicas.
As pesquisas mostram que o trabalho infantil ainda
é um grande problema social. Por quê?
O discurso é sempre o mesmo. “É melhor trabalhar do
que roubar, eu trabalhei e não morri”. Nós não costumamos ver um discurso das
consequências desse trabalho.
Por que as crianças não devem trabalhar?
Porque nós temos uma lei que garante isso e sabemos
as consequências disso. A Constituição é clara: menores de 16 anos são
proibidos de trabalhar, exceto como aprendizes, e somente a partir dos 14 anos.
Não é o que vemos hoje. Há dois pesos e duas medidas. Por vezes, achamos um
absurdo a exploração de crianças trabalhando em lavouras de cana, carvoeiros,
quebrando pedras e deixando sequelas, mas costumamos aplaudir as crianças que
trabalham nos meio artísticos, nas apresentações culturais ou comerciais. A lei
diz uma coisa e, às vezes, nós fazemos outras. O Estatuto da Criança e do
Adolescente é rico em exemplos de como se deve proteger legalmente as crianças.
O que é o trabalho infantil doméstico?
Em todo o mundo nós temos crianças e adolescentes
que estão envolvidos com o trabalho infantil doméstico, remunerados ou não. É
muito comum acontecer de crianças e adolescentes postos ao trabalho infantil
doméstico fazerem atividades como lavar, passar, cozinhar e outras coisas mais
que nós sabemos que acontecem. Eles estão sujeitos a uma série de
vulnerabilidades. Não é uma educação positiva, mas é uma educação impositiva,
ou seja: traz para essa criança muitas dores, porque ela está sendo imposta por
vezes a esse trabalho. Ela não faz como uma situação de brincar, de estar com a
família. O problema maior é realmente o domiciliar e o de terceiros, que é mais
grave ainda.
Quais são os riscos desse trabalho infantil
doméstico?
Estas crianças estão particularmente vulneráveis a
se machucar, se cortar, se queimar e, muitas vezes, o trabalho infantil
doméstico ocorre de maneira muito invisível ao olhos do público. Nós sabemos
que os casos de maus tratos e abuso de crianças no trabalho doméstico são comuns.
Então, além dos acidentes, nós temos também a exploração.
Qual é a diferença que existe entre trabalho
infantil doméstico e tarefas educativas?
Há uma grande diferença. Trabalho infantil
doméstico deixa sequelas negativas e as tarefas educativas promovem o
fortalecimento de vínculos familiares e a formação das responsabilidades, ao
seu tempo e idade. Portanto, “me ajude a secar a louça”, desde que não tenha um
facão lá; “me ajude a limpar aqui”, desde que não tenha algo de risco. Isso se
torna uma educação positiva, que fortalece vínculos familiares, diferente da
exploração.
O que as crianças e os adolescentes podem fazer em
casa, que não seja considerado trabalho infantil doméstico?
Veja bem, se você está varrendo a casa, a criança
pode estar junto? Pode, deve, é uma educação positiva. Agora, se está lavando
uma louça e tem panelas acima do peso da criança, que ela não pode aguentar,
não pode fazer isso. Ela tem que manusear aquilo que está de acordo com a idade
dela e para o peso dela, não pode ter algo acima do comum. Outro exemplo: se
está fazendo alguma coisa no fogo, no fogão ou no forno, a criança ou o
adolescente, por vezes, não têm noção de que aquilo está muito quente e que
pode queimar. Então, nós temos consequências gravíssimas, como queimaduras com
óleo ou corte com a própria faca - cortando carne, que não seria uma tarefa
dela, seria uma tarefa exclusivamente dos seus provedores. A criança faria
apenas a tarefa que é dela, de uma educação positiva.
Nas tarefas educativas é preciso sempre evitar
acidentes, não é?
Sim, é muito importante ter este cuidado e evitar o
acidente, esse cuidado de um olhar terno e fraterno para com todas as tarefas
educativas. Não pode ser, por exemplo, educativo a criança em cima de uma
cadeira e o fogão fritando batatinha. É responsabilidade, é violação de
diretos. Nós não podemos violar direitos de meninos e meninas, deixando eles à
mercê de um acidente doméstico.
O que fazer para não haver exploração do trabalho
infantil doméstico?
Nós sabemos que há o trabalho infantil. Então, é
necessário que as pessoas observem que tem o trabalho infantil de forma
negligenciada, não de uma tarefa educativa, de uma forma não de fortalecimento
de vínculos, mas de trabalho mesmo. Precisamos orientar as famílias, estar
junto com essas famílias, e, se necessário, denunciar essas violações de
direitos nos conselhos tutelares. O número para denúncias sobre violações de
direitos de crianças, desde a exploração sexual, o trabalho infantil e outras
demandas é o 100 (Disque 100).
E dar esmola ou comprar alguma coisa que a criança
está vendendo na rua, isso ajuda?
Não, nós não podemos doar dinheiro, doar esmola
para um sujeito de direitos. Nós precisamos tirar essa criança da mendicância,
garantir que seus direitos sejam assegurados, que ela acesse os serviços
socioassistenciais e que eles executem políticas públicas. E se não têm essas
políticas públicas, nós temos que participar dos Conselhos de Direitos para que
elas sejam efetivadas.
Se a criança é prioridade absoluta, por que os governos
colaboram tão pouco com as políticas públicas voltadas às crianças?
É um problema de governantes que não entenderam o
princípio da prioridade absoluta. Eles fazem seu juramento com base na
Constituição Federal, e lá está o artigo 227. É dever do Estado, da sociedade e
da comunidade garantir com absoluta prioridade o direito da criança, a vida, a
saúde, alimentação... Ou seja, eles juram sobre essa Constituição, mas não
sabem porque juraram. Então, nós temos muitos governantes que não sabem o que estão
fazendo.
Esta entrevista é parte do Programa de Rádio Viva a
Vida da Pastoral da Criança. Ouça o programa de 15 minutos na íntegra
Programa de Rádio 1230 - 27/04/2014 - Trabalho infantil
FONTE: http://www.pastoraldacrianca.org.br/pt/tema/3585-trabalho-infantil-uma-violacao-de-direitos
Programa de Rádio 1230 - 27/04/2014 - Trabalho infantil
FONTE: http://www.pastoraldacrianca.org.br/pt/tema/3585-trabalho-infantil-uma-violacao-de-direitos
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