6 de mai. de 2015

Algumas reflexões sobre a infância frente à patologização e medicalização da vida

Temos visto com frequência crianças demonstrando mais cansaço, estresse e outras alterações de comportamento, inclusive de ordem física, que muitas vezes é difícil identificar sua causa-raiz e seus variados reflexos. Sem conseguir diferenciar o que gera determinados comportamentos infantis, alguns problemas acabam se tornando maiores do que deveriam ser.
Mas, como discernir em meio a tal desordem, e cultura da medicalização a que estamos imersos, o grau de relevância dos comportamentos infantis que exigem um olhar e acompanhamento especial?
Vivemos em um mundo onde é exigido da criança atividades e comportamentos que não pertencem à infância.  Aliás, é frequente, nos dias de hoje, vermos questões do mundo infantil sendo negadas e não são aceitas (desobediência, chorosbirrasmedos, etc.) por muitos adultos, que exigem da criança atitudes que não condiz com sua idade e respectiva maturidade. Crianças sem tempo livre para brincar, criar e elaborar suas vivências.
Com tantos comportamentos sendo generalizados e rotulados, perdemos e deixamos de levar em consideração a singularidade de cada criança. Querer que elas sejam todas iguais e se comportem de acordo com regras e normas sociais impostas em determinadas situações – que servem ao adulto e não à criança – é retirar da criança sua expressão natural diante da vida. Ao passar pelo crivo pré‑concebido do que é esperado, desejado e aceito, marginaliza-se o diferente, como algo negativo que deveria ser combatido e eliminado. Certamente, a pretensa normalidade e as comparações se tornam injustas e aniquilam as crianças em sua forma de sentir e agir.
Esta normatização nos conecta ao patológico, fato este que pode contribuir para o adoecimento de crianças e adultos. A medicina acaba por nos encarcerar dentro de diagnósticos bem detalhistas e, o mercado farmacológico, vem de encontro com necessidades de não sofrermos, seja física ou emocionalmente. Ao mesmo tempo em que vivemos na “onda do saudável”, privilegiando uma alimentação e hábitos de vida que priorizam a promoção de saúde, temos o aumento do uso de medicamentos, principalmente de pílulas que oferecem às pessoas um conforto e a crença de que os problemas da vida e dos relacionamentos podem ser resolvidos com a ingestão de tais comprimidos. Fato este que se estende às crianças.
Certo dia, ouvi de uma professora: “O que está acontecendo com nossas crianças? Que movimento é este que estamos vivenciando? Tivemos a primeira reunião escolar do ano com a coordenadora da escola e ela nos falou que estamos em um ano doente. Ou seja, temos muitas crianças com doenças que requerem nossa atenção e cuidado especial. Crianças com doenças de ordem física, como diabetes, pressão alta, e outras com muitos diagnósticos que, não se resume ao TDAH ”.
O aumento expressivo do número de crianças que estão sujeitas à medicalização, em consequência de comportamentos considerados desviantes, está cada vez mais evidente. A meu ver, um fator relevante que agrava esta situação que muitos pais e crianças vivem diz respeito à terceirização dos cuidados infantil, que, ao transferir para outras pessoas a tarefa de cuidado e responsabilidade pelas crianças, cria uma distância afetiva entre pais e filhos, o que pode vir a interferir no desenvolvimento global e na formação de identidade da criança.
E aqui fica uma pergunta: São as crianças que estão mais doentes ou os adultos que estão menos dispostos a lidar com o que as criança nos trazem em seu processo de formação? É preciso pensar quais têm sido as exigências dadas às crianças que a elas não pertencem e por isso as fazem adoecer. Assim como pensar no papel do adulto diante da educação afetiva e não se deixar cegar e adormecer pelo que nos é dado socialmente – por exemplo, a ideia que pouco tempo com qualidade é suficiente para se estabelecer uma relação saudável entre pais e filhos.
Criança precisa ser criança. É importante afastá-las dos problemas, brigas e preocupações dos adultos; dar a ela uma rotina que respeite seu tempo e ritmo de desenvolvimento. O contato e vínculo próximo e estreito com os pais são fundamentais e insubstituíveis; o caminho que a criança percorre e seu desenvolvimento é determinado pelapresença e ausência afetiva dos pais e pela relação estabelecida entre ambos.
 Por Veronica Esteves de Carvalho. 

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