2 de mai. de 2015

Maus Tratos em Crianças e Jovens


Os Maus Tratos constituem um fenómeno complexo e multifacetado que se desenrola de forma dramática ou insidiosa, em particular nas crianças e nos jovens, mas sempre com repercussões negativas no crescimento, desenvolvimento, saúde, bem-estar, segurança, autonomia e dignidade dos indivíduos.
Este fenómeno é considerado um problema de saúde pública e objecto de vigilância que se reveste de particular gravidade em grupos populacionais mais vulneráveis.

Conceito
Os maus tratos em crianças e jovens dizem respeito a qualquer acção ou omissão não acidental, perpetrada pelos pais, cuidadores ou outrem, que ameace a segurança, dignidade e desenvolvimento biopsicossocial e afectivo da vítima.

TIPOLOGIA
Existe uma multiplicidade de situações que consubstanciam a prática de maus tratos, os quais podem apresentar diferentes formas clínicas, por vezes associadas:
  1. Negligência (inclui abandono e mendicidade);
  2. Mau Trato Físico;
  3. Mau Trato Psicológico/Emocional;
  4. Abuso Sexual;
  5. Sindroma de Munchausen por Procuração.
1. Negligência

Conceito: Entende-se por negligência a incapacidade de proporcionar à criança ou ao jovem a satisfação de necessidades básicas de higiene, alimentação, afecto, educação e saúde, indispensáveis para o crescimento e desenvolvimento normais. Regra geral, é continuada no tempo, pode manifestar-se de forma activa, em que existe intenção de causar dano à vítima, ou passiva, quando resulta de incompetência ou incapacidade dos pais, ou outros responsáveis, para assegurar tais necessidades.
Alguns sinais, sintomas e indicadores de negligência:
  • Carência de higiene (tendo em conta as normas culturais e o meio familiar);
  • Vestuário desadequado em relação à estação do ano e lesões consequentes de exposições climáticas adversas;
  • Inexistência de rotinas (nomeadamente, alimentação e ciclo sono/vigília);
  • Hematomas ou outras lesões inexplicadas e acidentes frequentes por falta de supervisão de situações perigosas;
  • Perturbações no desenvolvimento e nas aquisições sociais (linguagem, motricidade, socialização) que não estejam a ser devidamente acompanhadas;
  • Incumprimento do Programa-Tipo de Actuação em Saúde Infantil e Juvenil e/ou do Programa Nacional de Vacinação;
  • Doença crónica sem cuidados adequados (falta de adesão a vigilância e terapêutica programadas);
  • Intoxicações e acidentes de repetição.
2. Mau Trato Físico

Conceito: O mau trato físico resulta de qualquer acção não acidental, isolada ou repetida, infligida por pais, cuidadores ou outros com responsabilidade face à criança ou jovem, a qual provoque (ou possa vir a provocar) dano físico. Este tipo de maus tratos engloba um conjunto diversificado de situações traumáticas, desde a Síndroma da Criança Abanada até a intoxicações provocadas.
Alguns sinais, sintomas e indicadores de mau trato físico:
  • Equimoses, hematomas, escoriações, queimaduras, cortes e mordeduras em locais pouco comuns aos traumatismos de tipo acidental (face, periocular, orelhas, boca e pescoço ou na parte proximal das extremidades, genitais e nádegas);
  • Sindroma da criança abanada (sacudida ou chocalhada);
  • Alopécia traumática e/ou por postura prolongada com deformação do crânio;
  • Lesões provocadas que deixam marca(s) (por exemplo, de fivela, corda, mãos, chicote, régua…);
  • Sequelas de traumatismo antigo (calos ósseos resultantes de fractura);
  • Fracturas das costelas e corpos vertebrais, fractura de metáfise;
  • Demora ou ausência na procura de cuidados médicos;
  • História inadequada ou recusa em explicar o mecanismo da lesão pela criança ou pelos diferentes cuidadores;
  • Perturbações do desenvolvimento (peso, estatura, linguagem, …);
  • Alterações graves do estado nutricional.

3. Mau Trato Psicológico/Emocional

Conceito: O mau trato psicológico resulta da privação de um ambiente de tranquilidade e de bem-estar afectivo indispensável ao crescimento, desenvolvimento e comportamento equilibrados da criança/jovem.
Engloba diferentes situações, desde a precariedade de cuidados ou de afeição adequados à idade e situação pessoal, até à completa rejeição afectiva, passando pela depreciação permanente da criança/jovem, com frequente repercussão negativa a nível comportamental.
Alguns sinais, sintomas e indicadores de mau trato psicológico/emocional:
  • Episódios de urgência repetidos por cefaleias, dores musculares e abdominais sem causa orgânica aparente;
  • Comportamentos agressivos (autoagressividade e/ou heteroagressividade) e/ou auto-mutilação;
  • Excessiva ansiedade ou dificuldade nas relações afectivas interpessoais;
  • Perturbações do comportamento alimentar;
  • Alterações do controlo dos esfíncteres (enurese, encoprese);
  • Choro incontrolável no primeiro ano de vida;
  • Comportamento ou ideação suicida.

4. Abuso Sexual
Conceito: O abuso sexual corresponde ao envolvimento de uma criança ou adolescente em actividades cuja finalidade visa a satisfação sexual de um adulto ou outra pessoa mais velha.
Baseia-se numa relação de poder ou de autoridade e consubstancia-se em práticas nas quais a criança/adolescente, em função do estádio de desenvolvimento:
  • Não tem capacidade para compreender que delas é vítima;
  • Percebendo que o é, não tem capacidade para nomear o abuso sexual;
  • Não se encontra estruturalmente preparada;
  • Não se encontra capaz de dar o seu consentimento livre e esclarecido.
O abuso sexual pode revestir-se de diferentes formas – que podem ir desde importunar a criança ou jovem, obrigar a tomar conhecimento ou presenciar conversas, escritos e espectáculos obscenos, utilizá-la em sessões fotográficas e filmagens, até à prática de coito (cópula, coito anal ou oral), ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, passando pela manipulação dos órgãos sexuais, entre outras - as quais se encontram previstas e punidas pelo actual art.º 171º do Código Penal (CP), que trata expressamente do crime de abuso sexual de crianças.
Sempre que do acto resulte gravidez, ofensa à integridade física grave ou morte da vítima, infecções de transmissão sexual ou suicídio, a pena será agravada em metade ou em um terço, nos seus limites máximos e mínimos, conforme o caso em apreço e de acordo com a idade da vítima. O mesmo sucede se esta for descendente, adoptada ou tutelada do agente – art.º 177º CP.
Frequentemente, o abuso sexual é perpetrado sem que haja qualquer indício físico de que tenha ocorrido, facto que pode dificultar o diagnóstico. Recomenda-se, sempre que possível, a colaboração da saúde mental infantil, tanto na ajuda para o diagnóstico como para a intervenção. Contudo, em algumas situações, é possível identificar sintomas/sinais deste tipo de mau trato.
Alguns sinais, sintomas e indicadores de abuso sexual:
  • Lesões externas nos órgãos genitais (eritema, edema, laceração, fissuras, erosão, infecção);
  • Presença de esperma no corpo da criança/jovem;
  • Lassidão anormal do esfíncter anal ou do hímen, fissuras anais;
  • Leucorreia persistente ou recorrente;
  • Prurido, dor ou edema na região vaginal ou anal;
  • Lesões no pénis ou região escrotal;
  • Equimoses e/ou petéquias na mucosa oral e/ou laceração do freio dos lábios;
  • Laceração do hímen;
  • Infecções de transmissão sexual;
  • Gravidez.

5. Síndroma de Munchausen por Procuração
Conceito: A Síndroma de Munchausen por Procuração diz respeito à atribuição à criança, por parte de um elemento da família ou cuidador, de sinais e sintomas vários, com o intuito de convencer a equipa clínica da existência de uma doença, gerando, por vezes, procedimentos de diagnóstico exaustivos, incluindo o recurso a técnicas invasivas e hospitalizações frequentes.
Trata-se de uma forma rara de maus tratos, mas que coloca grandes dificuldades de diagnóstico, dado que sintomas, sinais e forma de abuso são inaparentes ou foram provocados subrepticiamente.
São indicadoras de S. Munchausen por Procuração situações como, por exemplo, as seguintes:
Ministrar à criança/jovem uma droga/medicamento para provocar determinada sintomatologia; adicionar sangue ou contaminantes bacterianos às amostras de urina da vítima; provocar semi-sufocação de forma repetida antes de acorrer ao serviço de urgência anunciando crises de apneia.

A QUE FATORES SE DEVE ESTAR ATENTO?
Os Maus Tratos resultam da conjugação de diferentes factores (de risco, protecção e agravamento/crise de vida) que interagem entre si e que devem ser ponderados durante a avaliação da situação.
Os factores de risco dizem respeito a qualquer tipo de influência(s) que aumente a probabilidade de ocorrência ou de manutenção de situações de maus tratos.
Representam variáveis biopsicossociais que, no meio em que ocorrem, podem potenciar alterações impeditivas do adequado desenvolvimento e socialização das crianças e dos jovens.

ATENÇÃO:  OS FATORES DE RISCO NÃO PROVAM A EXISTÊNCIA DE MAUS TRATOS, APENAS INDICAM A PROBABILIDADE DE SEU APARECIMENTO
Os factores de agravamento/crises de vida são eventos ou novas circunstâncias na vida da criança/jovem, família ou cuidadores que alteram a dinâmica entre factores de risco e protecção e podem precipitar a ocorrência de maus tratos.
Os factores de protecção incluem variáveis biopsicossociais que apoiam e favorecem o desenvolvimento individual e social, e podem remover ou minorar o impacte dos factores de risco.
Os sinais de alerta são indicadores de uma probabilidade acrescida de ocorrência de maus tratos e implicam a necessidade de uma investigação mais detalhada e consequente intervenção protectora.
Os sinais de alerta, por si só, não permitem diagnosticar uma situação de maus tratos, já que podem surgir como sintomas e sinais de outras entidades clínicas. Porém, apontam para a necessidade de intervir.

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