31 de ago. de 2015

Bullying e resiliência: a busca de soluções


Desde a década de 1970, o conceito de resiliência vem se modificando nas áreas da psicologia. “Já foi entendido como sinônimo de invulnerabilidade, como capacidade individual de adaptação bem-sucedida em um ambiente ‘desajustado’ e como qualidades elásticas e flexíveis do ser humano” (p. 18). Segundo os mesmos autores, as pesquisas

buscavam compreender se a capacidade de resiliência era fruto da constituição individual ou fruto da interação entre o subjetivo e o meio. Essas pesquisas parecem ter dado origem à compreensão da resiliência como uma capacidade de sucesso pessoal diante de um meio social desajustado.

Assim, seriam resilientes pessoas criadas em um ambiente desfavorável que não apresentassem comportamentos indesejados. O risco inerente a essa visão é que resiliência pode ser entendida de forma ideológica, transformando-se em um atributo que se teria ou não, o que poderia levar à rotulação de pessoas de grupos mais vulneráveis como não resilientes, dando espaço a considerações simplistas.

Hoje, a resiliência é compreendida não como um atributo estável do indivíduo, mas sim como um processo dinâmico, colocado em marcha após o evento traumático, indo além da superação da adversidade19. Ela opera na presença do risco, não para evitá-lo ou eliminá-lo, mas sim para produzir características saudáveis (Barbosa apud Araújo, p. 19). Em outras palavras, está “ancorada em dois grandes polos: o da adversidade, representado pelos eventos desfavoráveis, e o da proteção, voltado para a compreensão de fatores internos e externos ao indivíduo, mas que o levam necessariamente a uma reconstrução singular diante do sofrimento causado por uma adversidade” (p. 19).

Ser resiliente não significa ser invulnerável, mas ter uma capacidade de, diante de uma situação estressante, reconhecer o perigo e sentir-se por ele atingido. Embora marcada pela experiência, a pessoa demonstra capacidade de se recuperar e prosseguir. Ou seja, embora o ambiente apresente riscos, apresenta também fatores que podem proteger a pessoa, possibilitando a construção da resiliência.

Silva, et al (p. 151) listam os fatores de proteção apontados por Cyrulnik, os quais atuam de forma complementar: “temperamento da criança, flexível, confiante e capaz de buscar ajuda exterior; o contexto afetivo no interior do qual a criança vive seus primeiros anos; um clima familiar que aporte a segurança necessária para que desenvolva a confiança em si mesma e nos outros”. Outros fatores de proteção incluem: os cuidados responsáveis e constantes dirigidos à criança; as expectativas positivas nela depositadas; as relações de apego seguro; a coesão entre os membros da família, a existência de pelo menos um adulto verdadeiramente interessado na criança, capaz de bem cuidá-la e protegê-la, mesmo na ausência de responsabilidade dos pais, assim como a sensibilidade materna que, juntamente com o suporte social são, segundo Silva20, capazes de reduzir substancialmente os problemas emocionais e comportamentais, principalmente para crianças que crescem em ambientes com maiores desvantagens.

Pinheiro cita Masten e Garmezi, que identificaram três classes de fatores de proteção: atributos da criança (dentre os quais citam atividade, autonomia, orientação social positiva, autoestima e similares); atributos da família (coesão, ausência de conflitos, presença de um adulto interessado); e “disponibilidade de uma rede de apoio social bem-definida e com recursos individuais e institucionais igualmente bem-definidos”.

Pesquisas recentes apontam novas diretrizes para o estudo da resiliência, instigando um amplo campo de discussão, a saber, a importância da interpretação dada pelo indivíduo acerca das adversidades, como mais significativa que os fatores de risco propriamente ditos. Dessa forma, a reflexão e a interpretação dos fatos tornam-se características fundamentais nas pessoas resilientes: por um lado, a questão do individual e do singular acentua-se, pois as pessoas podem responder de maneiras diferentes diante de adversidades semelhantes (uma mesma situação de vida pode ser interpretada por alguns como perigo e para outros como desafio); porém, ao mesmo tempo faz-se necessário considerar que a resiliência não depende apenas de traços e disposições pessoais e individuais. É necessário discutir a resiliência nas famílias, nas instituições, nos grupos...

(...)

Do texto de Taralli, é possível depreender que “a intervenção diagnóstica, preventiva e psicoterápica, além de esforços interdisciplinares conjugados, por toda a comunidade escolar”, podem contribuir para a mudança do ciclo de dor e violência. Ou seja, psicoterapeutas têm muito a contribuir nesse processo de superação por meio da reconstrução ou fortalecimento da resiliência, ao oferecer novas possibilidades de ressignificação de vínculos e de renovação dos sentidos da autoestima e da autoeficácia.

Essa contribuição pode ocorrer de diferentes formas: pelo trabalho psicoterapêutico individual e grupal com alunos (“vítimas”, “vitimizadores” e “observadores”), pela orientação a famílias e docentes, pela produção de novos materiais, pela participação em grupos transdisciplinares e de muitas outras formas, dependendo da experiência e da criatividade de todos os envolvidos.

Lidar com o bullying não significa expor “vítimas”, “vitimizadores” ou “observadores” a situações vexatórias. Significa romper o ciclo de violência, contribuindo para o desenvolvimento de uma autoestima baseada nos valores da equidade e na aceitação da alteridade. E também reconhecer que é possível superar o sofrimento psíquico, sem revide e na perspectiva da ação pelos direitos de cidadania, com o fortalecimento de uma atitude de autoaceitação, de autoconfiança, de autoestima, em suma, de resiliência. Assim se torna possível educar cidadãos resilientes, que possam lutar contra as adversidades de forma criativa, buscando soluções que vão além do simples aprender a revidar e a manter o círculo vicioso da violência de qualquer tipo.

Pode ser um trabalho lento, que pareça pequeno em relação à magnitude do problema do bullying escolar, mas, com certeza, é muito melhor viver em um mundo repleto de borboletas do que de tristes lagartas encerradas em casulos que se tornaram prisões.

 
ATENÇÃO:  Este texto é parte integrante do artigo “Resiliência e Bullying:  a possibilidade da metamorfose diante da violência”, publicado em “O Mundo da Saúde”, São Paulo, 2012; 36(2), páginas 311 a 317.
A autoria é  de Vera Lucia Vaccari, Psicóloga, Mestre em Saúde Pública, Supervisora clínica e Docente do Curso de Psicologia do Centro Universitário São Camilo. 
Você pode conferir as referências e o material na íntegra no endereço: http://www.saocamilo-sp.br/pdf/mundo_saude/93/art06.pdf

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário